3 de novembro de 2015

Um coração cheio..., por Madalena Fontoura

As crianças do Pré-Escolar apresentavam o santo protector de cada sala. Umas traziam cartazes e objetos alusivos à história dos santos. Outras tinham aprendido partes da vida deles. A educadora ajudava, fazendo perguntas ou começando frases.
 
Chegou a vez da sala de Santa Teresa de Ávila. Um rapazinho, muito vivo e sorridente, trazia um coraçãofeito com umas bolas de papel encarnado, que representava o coração da Santa. A educadora lá começou as frases para as crianças completarem.
A certa altura: “E Santa Teresa tinha o coração cheio de…”. Resposta pronta e segura do rapazinho do coração encarnado: “… de bolas!”.
 
Os adultos sorriram, divertidos e enternecidos. O miúdo ficou imperturbável. A história da Santa lá chegou até ao fim. E eu fiquei a pensar neste pequeno episódio.
 
Estava tudo certo naquele gesto e naquele método de ajudar crianças tão pequenas a contar histórias tão ricas. Ainda assim, quando aquele rapazinho, que tinha na mão um coração feito de bolas encarnadas, diz que o coração da Santa está cheio de… bolas, tem razão.
A educadora esperava que ele dissesse que estava cheio de amor. Mas isso, ele não sabia bem o que queria dizer. Do que se lembrava bem é que tinham feito, juntos, um coração de Santa Teresa. E estava cheio de bolas de papel encarnado. E agora tinha sido ele o escolhido para levar aquele coração fantástico. Tinha-o na mão e sentia a textura das bolas, muito juntinhas e bem coladas.
 
Não deixa de ser justo que a educadora lhe ensine que há coisas que não se vêem, mas existem e são até mais decisivas do que as que se vêem. Também está muito bem que ela guie a narração de uma história, tentando que ele chegue a dizer as coisas importantes que lhe ensinou. E é ainda tranquilo que ele, aos quatro anos, não consiga dar grandes saltos do visível para o invisível, do superficial para o profundo.
 
Mas aquela resposta dele reacendeu em mim a consciência da força desarmante da experiência. E o desejo de não dar nenhum passo educativo prescindindo dela. 
Madalena Fontoura

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