26 de outubro de 2015

Uma centelha, por Madalena Fontoura

Recebi por mail um destes filmes que circulam na internet com alguma coisa supostamente invulgar. Era um momento musical com um instrumento chinês que eu desconhecia, o erhu. Com apenas duas cordas, oferece um som impressionante, que parece voz humana. Não sou entendida em música, mas reparei na tensão daquelas duas cordas. 


Depois de uma semana rica em acontecimentos, desafios e decisões, passei o fim-de semana a pensar no que é a alma da escola, qual é o ponto para o qual tudo converge e de onde tudo parte, qual é o critério à luz do qual se avalia e se reconstrói. À minha memória voltava a tensão daquelas duas cordas, enquanto revisitava três dos momentos da semana.

Uma turma fantástica, com miúdos bons, vivos, amigos, começou o ano cinzenta. Pouco implicados nas aulas, distraídos, desinteressados do estudo, defensivos na correcção. Falei com alguns Professores, com alguns alunos, reuni a turma, fiz perguntas, ouvi respostas. Para mim ficou claro que o ponto é a liberdade: como despertá-la, como vivê-la, como educá-la.

Outubro é o mês das apresentações aos Pais: encontros, que preparamos de modo a que os Pais vejam os Professores em ação, conheçam os programas e passem um momento agradável. É fundamental que a apresentação seja una, tenha ritmo e não se prolongue demasiado. Isso implica um esforço de trabalho em comum. Professores diferentes, com estilos comunicativos distintos, todos com entusiasmo pela sua disciplina e muita coisa a dizer sobre ela, são chamados a um sacrifício de algumas opções, para que o todo resulte bem. Aqui, o ponto é a comunhão: como desejá-la, como propô-la, como desenvolvê-la.

Foi preciso escolher uma obra para trabalhar com um grupo de alunos. Um professor avançou um título. Tinha sido escolhido com todo o cuidado e já havia imensas ideias sobre a forma de explorá-lo. Outros leram. Levantaram interrogações. Não tínhamos todos a mesma perspetiva. Parar e discutir parecia um travão, um obstáculo. Havia várias opiniões e ao mesmo tempo o cuidado de não ferir as dos outros. O ponto era a pertinência de fazer um juízo. Uma experiência que quase nunca é isenta de dor, mas quase sempre é libertadora.

A liberdade, a comunhão, o juízo. Pensei nas duas cordas do ehru, com aquele som de voz magoada, e pareceu-me que uniam toda a reflexão do fim-de-semana e todos os acontecimentos, desafios e decisões da semana.

Parece-me que a alma da escola é a tensão para o ideal. Uma posição que convoca cada momento, cada encontro, cada palavra, cada decisão. Sem pausas, porque a vida não pára. E o alívio desta tensão não descansa, porque sem ela não há beleza. Uma tensão só possível porque o ideal não é um modelo de perfeição tórico, mas uma Presença que, uma vez encontrada, brilha como uma centelha, que, ou se apaga, ou incendeia a vida. 

Madalena Fontoura

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