Recebi por mail um destes filmes que circulam na internet
com alguma coisa supostamente invulgar. Era um momento musical com um
instrumento chinês que eu desconhecia, o erhu. Com apenas duas cordas, oferece um som impressionante, que
parece voz humana. Não sou entendida em música, mas reparei na tensão daquelas
duas cordas.
Depois de uma semana rica em acontecimentos, desafios e
decisões, passei o fim-de semana a pensar no que é a alma da escola, qual é o
ponto para o qual tudo converge e de onde tudo parte, qual é o critério à luz
do qual se avalia e se reconstrói. À minha memória voltava a tensão daquelas
duas cordas, enquanto revisitava três dos momentos da semana.
Uma turma fantástica, com miúdos
bons, vivos, amigos, começou o ano cinzenta. Pouco implicados nas aulas,
distraídos, desinteressados do estudo, defensivos na correcção. Falei com
alguns Professores, com alguns alunos, reuni a turma, fiz perguntas, ouvi respostas.
Para mim ficou claro que o ponto é a liberdade: como despertá-la, como vivê-la,
como educá-la.
Outubro é o mês das apresentações
aos Pais: encontros, que preparamos de modo a que os Pais vejam os Professores
em ação, conheçam os programas e passem um momento agradável. É fundamental que
a apresentação seja una, tenha ritmo e não se prolongue demasiado. Isso implica
um esforço de trabalho em comum. Professores diferentes, com estilos
comunicativos distintos, todos com entusiasmo pela sua disciplina e muita coisa
a dizer sobre ela, são chamados a um sacrifício de algumas opções, para que o
todo resulte bem. Aqui, o ponto é a comunhão: como desejá-la, como propô-la,
como desenvolvê-la.
Foi preciso escolher uma obra
para trabalhar com um grupo de alunos. Um professor avançou um título. Tinha sido
escolhido com todo o cuidado e já havia imensas ideias sobre a forma de explorá-lo.
Outros leram. Levantaram interrogações. Não tínhamos todos a mesma perspetiva.
Parar e discutir parecia um travão, um obstáculo. Havia várias opiniões e ao
mesmo tempo o cuidado de não ferir as dos outros. O ponto era a pertinência de
fazer um juízo. Uma experiência que quase nunca é isenta de dor, mas quase
sempre é libertadora.
A liberdade, a comunhão, o juízo.
Pensei nas duas cordas do ehru, com aquele
som de voz magoada, e pareceu-me que uniam toda a reflexão do fim-de-semana e
todos os acontecimentos, desafios e decisões da semana.
Parece-me que a alma da escola é a
tensão para o ideal. Uma posição que convoca cada momento, cada encontro, cada
palavra, cada decisão. Sem pausas, porque a vida não pára. E o alívio desta
tensão não descansa, porque sem ela não há beleza. Uma tensão só possível
porque o ideal não é um modelo de perfeição tórico, mas uma Presença que, uma
vez encontrada, brilha como uma centelha, que, ou se apaga, ou incendeia a
vida.
Madalena Fontoura
Sem comentários:
Enviar um comentário