2 de fevereiro de 2015

Nostalgia da grande ausência, por Madalena Fontoura

Acho que escolhi tirar o curso de Psicologia por um interesse pelas pessoas e por um desejo de as compreender e ajudar. Atravessei aqueles cinco anos, aguçando a minha curiosidade pelo humano. E fui apurando também a exigência de respostas verdadeiras. Causavam-me tédio, ou mesmo indignação, as teorias curtas, as explicações redutoras, as soluções simplistas. Apaixonavam-me, pelo contrário, os pensadores que não matavam o mistério da pessoa.
Lembro-me, por isso, do impacto que teve em mim, ouvir falar de Viktor Frankl e da busca do sentido da vida como motor da existência humana. Foi uma referência fugaz e não mereceu mais do que uns minutos em cinco anos de curso. Mas para mim foi uma janela que se abria naquela opacidade, de correntes de pensamento reconhecidas e terapias supostamente eficazes, por dentro das quais gritava surdamente uma espécie de grande ausência.
Tudo isto vem a propósito de um que vídeo que me fizeram chegar, com um excerto de uma sessão de divulgação científica, conduzida por Neil deGrasse Tyson. Em resposta a uma criança de seis anos que lhe pergunta qual é o sentido da vida, Tyson explica que não vê o sentido da vida como algo que se busca, mas sim como qualquer coisa que se cria, que se manufatura, para si e para os outros. Que passa por aprender coisas novas para estar mais perto do conhecimento do universo, influenciar eventos, moldar uma trajetória e autoajudar-se. Aconselha a criança a explorar a natureza e a arriscar fazer experiências à revelia dos Pais.
Voltou-me aquele sufoco, aquela nostalgia da grande ausência.
E quando aquela criança perceber em si um desejo de amor, um desejo de justiça, um desejo de verdade, um desejo de beleza, e não encontrar respostas à altura da sua exigência nem da sua capacidade de manufaturar?
E quando descobrir que a sua capacidade influenciar eventos e moldar trajetórias é demasiado limitada diante da sua necessidade de ser feliz e fazer felizes os que ama?
E quando conhecer o sofrimento, seu ou dos outros, e se descobrir impotente para ajudá-los ou ajudar-se?
E quando estiver diante da morte de uma pessoa próxima? E quando lhe nascer um filho?
A uma criança que pergunta pelo sentido da vida, Tyson fecha a porta à possibilidade de uma resposta que venha de fora e possa ser encontrada. E rompe com a grande missão civilizacional de passar à geração seguinte aquilo que se recebeu e experimentou, na recomendação de que explore o mundo sozinha, sem contar com os adultos.
Tyson faz da maior pergunta da vida, um espetáculo de entretenimento, onde se disfarça o drama numa conspiração de gargalhadas fáceis.
São duas feridas que me parece que minam a cultura ocidental atual: a solidão e a anestesia.

Começo a semana desejosa de levar a sério os alunos que me são confiados. De saber educar neles um desejo de significado, presente em cada instante da vida. E de nunca os abandonar. Pelo contrário, estar grata à companhia que me fazem e à limpidez com que me lembram a minha própria sede de sentido para a existência. 

Madalena Fontoura

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