20 de janeiro de 2015

Perguntar o porquê, por Joana Abecasis Correia

Tenho a preocupação de procurar despertar nos meus alunos um sentido crítico diante daquilo que aprendem na minha disciplina. Porque a grandeza da disciplina vai muito para além de um memorizar de acontecimentos que se sucedem ao longo dos séculos. Se a História trata dos homens e das suas escolhas diante da realidade, escolhas essas que nascem do juízo que fazem diante das situações concretas que se lhes apresentam; se é a História do humano, do homem, também nós hoje, diante do passado e do presente, não nos podemos demitir de formular um juízo diante daquilo que nos acontece ou que vimos acontecer.
Os factos são importantes se forem interpretados, se não são só factos, mortos, empedernidos no tempo, que pouca ou nenhuma utilidade têm para nós hoje, que pouco ou nada têm que ver connosco hoje. Porém, a História do Homem ontem, hoje e amanhã é a nossa História.
Os discursos são o que são e até hoje, salvo algumas excepções, a sensação que tinha é que para os alunos isto não fazia grande sentido. Para a maioria deles, estudar Historia é memorizar acontecimentos passados, adotando uma neutralidade própria de quem se mantém à margem, de fora, diante de qualquer coisa que não sente como sua. 
Mas hoje um aluno apresentou um trabalho, no contexto do estudo da Revolução Francesa, acerca de Robespierre. Apresentou–o como defensor dos ideais de liberdade, justiça, igualdade. Apresentou-o também como um dos responsáveis pela morte de 300.000 pessoas, entre homens, mulheres e crianças, durante o infelizmente famoso massacre da Vendeia. Os factos estavam certos, o aluno não disse nada de errado.
Pergunto-lhe como é que o mesmo homem, que defende tão nobres ideais, é também o responsável por tão grandes atrocidades, cometidas durante o período de Terror da Revolução Francesa. “Sim, mas é que eles (eles, os pobres martirizados) não pensavam como ele”, responde o aluno. “Mas como?” pergunto eu, “ele não defendia a liberdade para todos? Como é que um homem que defende a liberdade para todos pode matar quem não pensa como ele?”. Ao mesmo tempo, pensava como é atual este tema... O rapaz ficou baralhado diante desta pergunta, toda a turma ficou, mas pouco a pouco foram despertando e arriscando respostas. E perceberam a diferença entre ideal e ideologia.
Mas o melhor de tudo é que este exemplo valeu mais que mil palavras. Pela primeira vez, ficou para eles claro, nem que por breves instantes, de que se trata quando lhes digo que devem perguntar o porquê de tudo o que aprendem, que vêem, que ouvem.

Joana Abecasis Correia

Sem comentários:

Enviar um comentário