As
montanhas convidam a elevar-nos não só materialmente, mas
espiritualmente em direcção à realidade que não tem ocaso. Aqui,
neste espaço sem barreiras e no silêncio imponente dos montes,
apercebemo-nos do sentido do infinito!
Papa
João Paulo II, Glaciar de Adamello, Alpes, Homilia da Missa, 16
Julho 1988
Desafiaram-me
para a seguinte aventura: acompanhar um grupo de alunos do 11º Ano a
Vallnord, Andorra. Aceitei, antes de mais, porque me pediram. Fazia
falta uma “avó” ao grupo. Não era sequer preciso fazer ski e
essa foi a segunda razão porque aceitei. Não fazia ski há 32 anos,
tinha tido uma experiência que não me fizera repeti-la e, não
sendo ainda avó, achei que podia criar uma pista de treinos para
esse efeito. E deslizar numa neve virgem… sem ter que pôr luvas e
tirar luvas, pôr óculos e tirar óculos, pôr skis e tirar skis…
Tudo isso, trancada num calçado “desortopédico” já mil vezes
pisado e repisado a uma altitude de não sei quantos pés…. Enfim,
tinha tudo sob controlo, como gosto de sentir que tenho…
A
montanha já devia estar a rir-se de mim… Chegámos debaixo de um
nevão que parecia não ter fim e que cobria tudo de um silêncio
ensurdecedor. Foi o primeiro presente que recebi desta montanha, que
assim começava o seu diálogo comigo.
O
segundo presente foram os alunos que mo deram, porque a montanha lhes
pedia: a alegria e a coragem com que se fizeram às pistas a eles
destinadas. Muitos deles nunca tinham experimentado fazer ski. Eram
uma alegria e um entusiasmo contagiantes! E eu também queria isso
para mim. E lá fui calçar as ditas botas “desortopédicas”; e
pôr óculos e tirar óculos; e pôr luvas e tirar luvas; e pôr skis
e tirar skis…
Quanto
mais alto subia, mais pequena me sentia, desarmada pela montanha
branca! O que mais vezes pensava, ao olhar para aquele branco imenso,
é que nunca estamos à altura daquela imponência. E que, por detrás
daquela imensidão de branco, há uma outra imensidão de verde,
mesmo que nem sempre se consiga ver. Comparava o branco ao
sofrimento, confirmando a sua beleza. Finalmente, lembrava-me da
primavera a despontar… e chegava à certeza de como o branco pode
estar ao serviço do verde!
Depois,
claro, havia também as cores das pistas… Verde, azul, encarnada e
preta. Tínhamos que escolher. Como nos caminhos da vida, a nossa
liberdade posta em jogo a cada escolha que fazíamos. Tem graça
olhar para essas cores e constatar como estão tão bem escolhidas,
segundo o seu grau de risco.
À
noite, saía do silêncio atento para ouvir os relatos das aventuras
do dia. Ouvia-os da boca de aprendizes e de mestres. Viver a montanha
com estes “netos”, a crescer sob o olhar destes mestres presentes
e capazes de me ensinar a olhar a mim também, foi uma lição tão
valiosa quanto muitas que tive em sala de aula. Vale a pena arriscar
uma semana a aprender, fora de muros; vale a pena sair da nossa zona
de conforto; vale a pena levantar o olhar. Vale a pena seguir alguém
que vai mais à frente, como seguimos na companhia do Papa João
Paulo II que, no silêncio
imponente dos montes, nos
predispôs o coração para
nos apercebermos do sentido do infinito!
No
último dia o sol quis juntar-se a nós! Com temperaturas abaixo de
zero… e ainda assim era impossível não sentir o coração a
arder!
Bendita
a hora em que me pediram para ser “avó”. E bendita a hora em que
aceitei sê-lo.
Teresa Vaz Guedes
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