11 de fevereiro de 2015

A magia dos factores ógicos, por Catarina Almeida

Ao folhear um livro de um pediatra, encontrei uma frase que dizia, mais coisa menos coisa, que cada criança é única porque é constituída por uma imensidão de factores biológicos, psicológicos e mais uns tantos ógicos que não decorei.

Continuei a passear pela livraria e reparei na quantidade de livros, das mais insuspeitas classificações, que – a avaliar pelo título – propunham soluções para problemas: como deixar de ter dificuldades económicas, como fazer dieta, como agradar ao amor da sua vida, enfim… como viver?

Além de ter saído do centro comercial a sentir-me ignorante por nunca ter lido a maioria dos livros das prateleiras, lembrei-me da minha aluna R. É uma miúda giríssima, com uns factores biológicos bestiais; é estruturada, como aliás é toda a sua família, vê-se que é uma criança feliz. Tem uma predisposição natural para aprender e não revela quaisquer dificuldades, é obediente (por vezes até demais) nas tarefas escolares.

No entanto, há uma coisa que a R. não gosta de fazer. E não a faz. Recusa-se mesmo, sem briga, sem revolta e sem rebeldia. Olha para mim e diz-me calmamente «não faço, professora». Quase com um sorriso desafiador… Os outros professores e eu dedicamo-nos com a natural perícia de «especialistas em educação», semana após semana, a inventar estratégias para que ela faça o que tem de fazer. Claro que na faculdade nos falaram das teorias e dos estudos que, sem desprimor e sem querer simplificar, não resolvem o problema. E ela mantém o calmo sorriso e diz novamente «não faço, professora». Por vezes, limita-se a abanar a cabeça, sem nunca perder a pose.

Depois do meu inesperado encontro com os factores a que o livro atribuía a unicidade de cada criança, não deixo de pensar na R.; os factores ógicos dizem alguma coisa dela, mas poderei eu afirmar com certeza que a soma dos aspectos físicos e psicológicos, com as influências afectivas e familiares e todo o meio envolvente, explica aquela miúda na totalidade? Ou será mais razoável admitir que há alguma coisa na R. que eu não consigo explicar nem mudar, isto é, que não está à minha disposição?

Claro, a R. é insegura e outras explicações haverá mas, mais importante que isso, ela tem alguma coisa irredutivelmente misteriosa e, por isso, é única. Isso não me derrota nem me isenta de educar. O desafio é mais ousado: educar para a liberdade, que não significa fazer o que se quer, mas antes querer o que se faz. Como poderá a R. querer fazer aquela coisa que eu penso ser boa para ela? Não sei. E não sabem os ógicos nem os livros de soluções.

A boa notícia é que, apesar de não ter uma receita, estou disposta a aventurar-me com a R. no fascinante caminho da vida. Como viver? Assim: suspensos na plenitude.

Catarina Almeida

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