23 de março de 2015

Inteira, despojada e feliz, por Madalena Fontoura

Estavam na fila da frente na Missa de Domingo: Mãe e três filhos pequenos, todos rapazes. Com o Pai ausente, a Mãe tinha todas as razões do mundo para ter faltado à Missa, ou para não ter levado os filhos. Mas ali estava, impecável, com o sorriso sereno de quem foi convidada para uma festa e está feliz por comparecer.

Ao fim de poucos minutos, começou tudo. O miúdo do meio, com aquela cara de rapaz levado da breca, sempre a aprontar alguma, começou a mexer-se no banco, de forma cada vez mais irrequieta. Virava-se para trás, levantava-se, trepava, fazia sinalefas aos meninos do banco de trás, seus conhecidos, metia-se com os irmãos, mexia em tudo.

Entretanto, o mais novo, que teria uns dois anos, também requeria a atenção total, para não cair, não bater com a cabeça no banco da frente, não despejar a carteira da Mãe, não fazer barulho. Sossegado, só mesmo o mais velho, que resistia heroicamente às provocações do segundo, que parecia querer convocar todos para a sua movimentação.

A Mãe não teve um minuto de descanso. Agia com prontidão, doçura e discrição. Os seus esforços, apesar de sábios e incansáveis, tinham uma eficácia de curtíssima duração. Cada filho que ela punha em ordem, segundos depois, tinha uma ideia nova, mexia-se para outro lado, agarrava noutra coisa. Ou então voltava a fazer o mesmo que a Mãe já tinha corrigido, dois disparates atrás. Mas ela não teve nenhum gesto brusco, que denunciasse qualquer exasperação. E também em nenhum momento desistiu, deixou correr ou desligou.

Tratou cada um, segundo a sua condição. Ao mais novo foi amparando e soltando, sem colo a mais nem a menos, dando a dose justa de protecção e sem se distrair a mimá-lo ou a deleitar-se com as suas gracinhas. Ao do meio foi corrigindo, umas vezes com o olhar, outras com gestos firmes mas doces – endireitando-o, sentando-o, puxando-o para si – outras ainda com pequenas instruções ao ouvido. A todas as pessoas, respeitou com o seu silêncio, a contenção dos seus gestos e dos seus movimentos, a serenidade da sua expressão.

Se a temperatura da sua paciência tivesse subido até ferver e ela tivesse tido uma atitude mais enérgica, teria havido um estardalhaço de choros, de abandono aparatoso da Igreja, de pessoas a terem que ajudá-la a levar tudo e todos. Nada disso aconteceu. Talvez porque aquela Mãe nunca se deteve em si mesma, no seu limite, no seu cansaço, no seu direito a ter sossego. E por isso, prevaleceram o amor, a paciência, a misericórdia, o serviço. Mas prevaleceu também ela mesma, a sua humanidade, inteira, despojada e feliz.

Num tempo de emergência educativa, na família e na escola, aquela Mãe, na sua discreta normalidade, era um tratado de pedagogia. Na aproximação da Páscoa e do sacrifício de Jesus pelos pecadores, na certeza, reafirmada pelo Papa, da misericórdia com que somos amados e esperados, a homilia da Missa era aquela Mãe.


Começo a semana, pedindo para mim um coração centrado no essencial, sustentado pela certeza de que sou amada e perdoada. Para que possa olhar assim para os alunos, os professores e as famílias com quem trabalho. E, dando tudo, me encontre, também eu, inteira, despojada e feliz.

 Madalena Fontoura

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