Têm entre 3 e 6 anos. Sempre que
posso, começo o dia com eles. A semana passada o David partiu um braço. No dia
seguinte estava sentadinho no tapete, de pernas cruzadas, com todos os outros,
pronto para a oração da manhã e com um sorriso todo bem-disposto. Vê-lo assim
deu-me uma ideia.
“Estão a ver o David? Tem o braço
partido, mas está com uma cara contente. Temos que aprender com ele. Há meninos
– e alguns crescidos também – que só fazem uma cara contente quando as coisas
lhes correm bem. Quando uma coisa corre mal, ficam rabugentos e com uma cara
zangada. Mas isso é um grande disparate. Porque mesmo quando uma coisa corre
mal, ainda há muitas razões para estarmos contentes: estamos vivos, temos uma
família que gosta de nós, uma escola bonita e, sobretudo, Jesus está sempre
connosco a ajudar e a proteger”.
Desafiei-os a serem valentes e
alegres quando acontecer alguma coisa que os aborreça. Ensaiei com eles um
encolher de ombros e um “Não faz mal”, que todos repetiam muito divertidos,
numa mistura de ginástica matinal e coro falado. Rezámos a oração da manhã e
eles lá foram fazer os “comboios” de entrada ordeira nas salas. Foi então que
percebi que o Santiago não tinha ido para o seu “comboio” e se aproximava de
mim com um ar sério. Baixei-me até ficar à altura dele. Ele pegou-me nas mãos,
hesitou, engoliu em seco e depois perguntou baixinho: “E se os Pais morrerem?”
O Santiago tinha ouvido tudo com
muita atenção, tinha ficado a pensar naquilo de não fazer mal acontecer uma
coisa de que não gostamos, e, depois de considerar as situações mais difíceis
que a sua cabecinha de 4 anos podia imaginar, ali estava diante de mim, sem
objetar, sem duvidar, sem disfarçar. Com gravidade e confiança, fazia uma
pergunta. A mais séria e exigente das perguntas, que elevava, inesperadamente,
o patamar do meu desafio.
Os meus alunos são crianças
felizes, mas muitos deles têm já que lidar com feridas profundas, sobretudo nas
suas famílias. Diante de uma criança que sofre, a tendência dos adultos é negar,
ou então curar, como quem trata uma doença. Entre os dois extremos, do “eles
estão ótimos” ao recurso aos psicólogos, vai uma teia de enganos, com uma
origem que, paradoxalmente, talvez seja comum: a pretensão de poder responder
ao desejo que há no coração de cada um. Sempre com o mesmo erro: agigantando a
nossa omnipotência providente ou reduzindo a dimensão do desejo.
Podia dizer ao Santiago para
ficar sossegado que os Pais não vão morrer a ou então que a realidade só é boa
quando não é dolorosa. Mas estaria a cair na injustiça de responder à sua
seriedade com uma quimera ou com uma suspeita. A alternativa é eu própria
reconhecer a misteriosa densidade da vida, fazer o trabalho diário de conversão
que me permite não escorregar na superfície das coisas e oferecer-me como
companhia, a ele e à sua família.
Começo a semana com a consciência
feliz de que sou chamada a viver e a testemunhar aos que me rodeiam que a vida
é bela e a realidade é positiva. Não por um otimismo estratégico, mas pela
certeza de uma presença, que, como diz o Papa Francisco, chega primeiro,
antecipa-se ao nosso desejo, como a flor da amendoeira que anuncia a primavera.
Madalena Fontoura
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