9 de março de 2015

Como a flor da amendoeira, por Madalena Fontoura

Têm entre 3 e 6 anos. Sempre que posso, começo o dia com eles. A semana passada o David partiu um braço. No dia seguinte estava sentadinho no tapete, de pernas cruzadas, com todos os outros, pronto para a oração da manhã e com um sorriso todo bem-disposto. Vê-lo assim deu-me uma ideia.

“Estão a ver o David? Tem o braço partido, mas está com uma cara contente. Temos que aprender com ele. Há meninos – e alguns crescidos também – que só fazem uma cara contente quando as coisas lhes correm bem. Quando uma coisa corre mal, ficam rabugentos e com uma cara zangada. Mas isso é um grande disparate. Porque mesmo quando uma coisa corre mal, ainda há muitas razões para estarmos contentes: estamos vivos, temos uma família que gosta de nós, uma escola bonita e, sobretudo, Jesus está sempre connosco a ajudar e a proteger”.

Desafiei-os a serem valentes e alegres quando acontecer alguma coisa que os aborreça. Ensaiei com eles um encolher de ombros e um “Não faz mal”, que todos repetiam muito divertidos, numa mistura de ginástica matinal e coro falado. Rezámos a oração da manhã e eles lá foram fazer os “comboios” de entrada ordeira nas salas. Foi então que percebi que o Santiago não tinha ido para o seu “comboio” e se aproximava de mim com um ar sério. Baixei-me até ficar à altura dele. Ele pegou-me nas mãos, hesitou, engoliu em seco e depois perguntou baixinho: “E se os Pais morrerem?”

O Santiago tinha ouvido tudo com muita atenção, tinha ficado a pensar naquilo de não fazer mal acontecer uma coisa de que não gostamos, e, depois de considerar as situações mais difíceis que a sua cabecinha de 4 anos podia imaginar, ali estava diante de mim, sem objetar, sem duvidar, sem disfarçar. Com gravidade e confiança, fazia uma pergunta. A mais séria e exigente das perguntas, que elevava, inesperadamente, o patamar do meu desafio.

Os meus alunos são crianças felizes, mas muitos deles têm já que lidar com feridas profundas, sobretudo nas suas famílias. Diante de uma criança que sofre, a tendência dos adultos é negar, ou então curar, como quem trata uma doença. Entre os dois extremos, do “eles estão ótimos” ao recurso aos psicólogos, vai uma teia de enganos, com uma origem que, paradoxalmente, talvez seja comum: a pretensão de poder responder ao desejo que há no coração de cada um. Sempre com o mesmo erro: agigantando a nossa omnipotência providente ou reduzindo a dimensão do desejo.

Podia dizer ao Santiago para ficar sossegado que os Pais não vão morrer a ou então que a realidade só é boa quando não é dolorosa. Mas estaria a cair na injustiça de responder à sua seriedade com uma quimera ou com uma suspeita. A alternativa é eu própria reconhecer a misteriosa densidade da vida, fazer o trabalho diário de conversão que me permite não escorregar na superfície das coisas e oferecer-me como companhia, a ele e à sua família.

Começo a semana com a consciência feliz de que sou chamada a viver e a testemunhar aos que me rodeiam que a vida é bela e a realidade é positiva. Não por um otimismo estratégico, mas pela certeza de uma presença, que, como diz o Papa Francisco, chega primeiro, antecipa-se ao nosso desejo, como a flor da amendoeira que anuncia a primavera.

Madalena Fontoura

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