6 de janeiro de 2015

Maria

Não me lembro do dia em que conheci a Maria. Na minha memória, vejo-a sentada no banco da frente da Capelinha de Monserrate. Todos os domingos lá estava ela, e disso lembro-me bem. Às vezes, a seguir à missa, íamos falar à Maria. A Maria não era de conversas com os pequeninos, mas era uma figura para a qual era impossível esses pequeninos não olharem: uma figura grande, de olhar profundo por detrás daqueles óculos graduados que o tornavam mais penetrante; chegava a meter respeito.
E havia a casa da Maria. E a casa da Maria era a vista do quarto que acompanhou  toda a minha infância. Mais tarde, quando comecei a ir sozinha para a escola, a casa da Maria ficava à frente da paragem do eléctrico que me levava para a Estrela. E, quando regressava da escola, o eléctrico voltava a lembrar-me que era ali que vivia a Maria. A Maria Ulrich. A senhora da missa de quem eu tanto ouvia falar em minha casa.
Depois, havia a minha avó. A minha avó era, para a época, como se diz agora, muito à frente! A educação era um tema que a apaixonava e as estantes de casa dela eram a prova viva deste seu interesse. Com ela, passei horas a descobrir livros de história e história de livros. Nem sempre a seguia, confesso, tão entusiasmada quanto ela, nesse entusiasmo que hoje em dia percebo tão educador.  E a Maria, e a sua amizade com a Maria, viviam-se ali em cada página que se virava, assim como em muitas conversas com a minha avó ao longo da sua cheia, rica e longa vida, cuja memória vive em mim e que tento guardar como um tesouro.
Depois, há ainda a minha mãe. Aluna da Maria e fiel guardadora do seu legado. Uma educadora consciente da importância de cada olhar, de cada gesto, de cada palavra. Da importância do sim e do não, que muitas vezes foram ‘sim porque sim’ e ‘não porque não’, sem medo dos traumas da não explicação de cada tomada de decisão. Ainda hoje em dia, a minha mãe não é de ‘nims’. Como a Maria não era de certeza. E o sim e o não transmitem segurança, amparam como uma mão; juntamente com o leite que bebemos em pequenos, dão saúde e fazem crescer.
Finalmente, há as amigas da minha mãe, como a Teresa de Castro, uma predilecta da Maria, que na Fundação Maria Ulrich foi sempre, para mim, a cara prazenteira, séria, profunda e entusiasmada de um desejo da Maria tornado palpável.  A Fundação é uma casa que continua a educar os sentidos, a forma de olhar e  de viver a vida de quem se atira para este mar da educação, consciente de que é um mar inquieto e sem fim.

Tal qual o coração e a vida da Maria.
Teresa Vaz Guedes

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