23 de outubro de 2013

Uma Educadora no Séc. XX - 1908 - 1988


MARIA ULRICH

UMA EDUCADORA NO SÉC. XX

1908 – 1988

VIDA E OBRA


FUNDAÇÃO MARIA ULRICH
1988




Pesquisa, selecção e organização dos textos
OLGA SIMÕES DE CARVALHO
Concepção e montagem da exposição
MARIA JOSÉ SOTTOMAYOR


A família Mayer é uma família curiosa com características muito próprias que tornam os seus membros diferentes da maioria que os rodeia.
Isto é assim nas primeiras gerações que conhecemos e talvez, de um modo especial, nesse ramo de Carlos de Lima Mayer onde o sangue loreno de forte cariz, em vez de ser atenuado através de uma aliança mais aburguesada, se"viu, ao contrário, reforçado pelo sangue ribatejano de grande vivacidade da família Araújo.

Não conheci meu avô – só por tradição e muito pouco.
Quando comecei a ter consciência, já ele tinha morrido, há cinco anos, em trágicas circunstâncias que deixaram entre os seus uma ferida profunda...
Carlos foi, de todos os irmãos, o mais complexo e o mais apaixonante pela sedução da sua personalidade de mil facetas, a cintilação do seu espírito, a sua atitude totalmente liberta de interesses e ambições pessoais.

Alcandorado como um ninho de águias, dominando uma vasta quinta penumbrosa de bosques e grutas misteriosas – a Quinta da Cruz do Taboado, hoje Largo do Andaluz e Avenida Fontes Pereira de Melo - erguia-se um palacete elegante, com dois torreões sobranceiros, onde habitou a família Lima Mayer e onde minha Mãe, Veva de Lima, passou os primeiros anos da sua vida.

Muitos dos traços de Carlos Mayer prolongaram-se na sua filha: o mesmo fascínio do verbo e da voz, a mesma sedução do convívio, o mesmo interesse pelas proposições elevadas e generosas, o mesmo horror à banalidade e ao medíocre, a mesma independência moral, o mesmo temperamento nervoso, vibrátil, apaixonado... E, curiosamente, uma tendência combativa que a comprometia sempre nas circunstâncias que a rodeavam. Contrariamente ao seu pai, escreveu: peças, livros, artigos de jornais, conferências, contos...

MARIA ULRICH In " Biografia dos Pais" (manuscrito Inc.)

Ruy Ennes Ulrich pertencia a uma família muito diferente dos Lima Mayer.
Os Ulrich eram de origem alemã. O primeiro Ulrich que veio para Portugal, nos fins do século XVIII, fixou-se no Porto, onde casou com uma senhora portuguesa.

Seu filho, José Henrique, morreu novo deixando o seu filho mais velho apenas com 14 anos. Aos 16 anos este, João Henrique Ulrich, partiu para o Brasil e voltou abastado e com família constituída. Casara com uma brasileira que era aparentada com a nobreza do Império.
O seu filho, João Henrique Ulrich Júnior, completou os estudos em Lisboa, e formou-se na Politécnica com altas classificações.
Casou em 1879 com Cristina da Orta Ennes, neta dos viscondes da Orta e filha de Guilherme Ennes, primo do célebre António Ennes.

O jovem casal foi habitar para a R. de Sto. António dos Capuchos e ali nasceram sucessivamente, em cada ano, cinco filhos: João, Guilherme, Maria Luíza, Ruy e Fernando - de cujo parto a mãe morreu.

Maria Luíza e Ruy foram entregues aos avós maternos.
Ali encontraram, numa tia solteira - a tia Joaninha Ennes - uma segunda mãe que a eles dedicou toda a sua vida com extraordinário carinho. Nas férias a família juntava-se toda em Benfica, na Quinta da Feitoria, que pertencia ao pai e onde as crianças unidas, gozavam exuberantemente da vida do campo.

João Henrique Ulrich morreu aos 44 anos. Tinha o Ruy, então, 12 anos. A condição de órfão e o desgosto que o atingiu nessa idade não afectaram, porém, a sua personalidade naturalmente sensível, graça à compreensão afectiva de que foi rodeado pelo carinho da tia e a estreita amizade que existiu entre os irmãos.

MARIA ULRICH In " Biografia dos Pais" (manuscrito Inc.)
Foi na escola Académica, em casa dos Mauperrin, que Veva veio a encontrar Ruy Ulrich, acabado de formar com 20 valores na Faculdade de Direito de Coimbra com a idade de 21 anos.
Apenas formado, foi convidado para reger cadeira. Doutorou-se aos 23 anos e ficou como Professor Catedrático em Coimbra.

Ruy e Veva casaram a 22 de Abril de 1907 e foram viver para Coimbra, para a Quinta dos Sardões, em Santo António dos Olivais onde, no ano seguinte, a Veva teve uma filha.

Em 1909, perante a necessidade de certa actividade e distracção de que a Veva precisava para o seu equilíbrio nervoso, vieram viver para Lisboa.

Em 1910, com o advento da República, a dúvida surgiu se havia de continuar ou não a sua carreira de docente. Os alunos repudiam um professor "talassa" e protestam contra ele. Perante isso, o Ruy não hesita e manda imediatamente o seu pedido de exoneração.


Je suis née à Coimbra... dans cette belle ville universitaire de vie intellectuelle intense - c'est peut-être pour cela que j'ai le gôut des choses intellectuelles! - et dans cette atmosphére de légende et de poésie qui est responsable de ce que je soit ridiculement romanesque!

Também me explicaram, um dia, que, se gosto tanto de cor de laranja, foi porque a minha mãe fez-me um casaquinho d'essa cor, para quando nasci.

Será realmente essa a razão da minha paixão pelo encarnado e terei eu assim guardado, toda a vida, a nostalgia dos meus primeiros dias...

Le jour de ma naissance mon père, jeune et rigide professeur de l'Université donna un congé général et ce fut un jour de fête pour les étudiants.

Il parait que, jusqu'à l'âge de trois ans, j'ai vécu 6 mois sur 12 à Coimbra.
À Lisbonne, je restais tantôt chez ma grand-tante, tantôt chez ma grand-mère et mon grand-père, aveugle, qui parait-il m'aimait bien et forçait ses pauvres yeux pour essayer de me voir un peu...

MARIA ULRICH In “Páginas de Diário" (Inc.)

Mon pere, monarchiste tres déclaré, dû quitter son poste de professeur de l'université lors de l'implantation de la RépubIique et nous émigrâmes à Biarritz pendant un temps.

C'est de Biarritz que je garde les plus lointains souvenirs de ma vie... encore sont-ils vagues...

Je me rappelle des promenades avec mes cousins dans une petite voiture tirée par des chévres, des disputes avec un cousin plus fort que moi d'où je sortais toujours vaincue.

Je me rappelle avoir eu la coqueluche, ce qui nous obligea à quitter l'hotel et prendre une villa...

Je me souviens surtout d'une luxembourgeoise appellée Juliette. Je suis sure aujourd'hui qu'elle était douce et bonne... mais je ne pouvais la voir parce que je la trouvais laide... tout simplement!

Par contre ma bonne portugaise qui était sauvage au possible, je la trouvais une beauté et l'adorais.

MARIA ULRICH "Páginas de Diário" (Inc.)

1926 - 12 - 02
Il me semble que c'est tres utile...et agréable d'avoir son journal. La plupart des gens en le faisant pensent au plaisir futur qu'on aura en le relisant. Moi je ne veux pas regarder si loin en avant...
Je vis au jour le jour, mais je trouve que justement c'est dans le présent que c'est utile...

En effet: c'est un moyen d'analyse autopsycologique plus nette, plus claire...c'est un moyen de se regarder, de se classer et de s'ordonner moralement... et puis cela soulage aussi de faire sortir en dehors de soi ses préocupations, ses soucis, ses chagrins et... ses joies.

Je commence mon journal le 2 décembre, étrange date... mais, comme toujours, j'agis non pas avec méthode, non pas par raisonnements mais par inspiration du moment.

Je me trouve seule dans ma chambre et dans la maison car maman est à Paris, et papa n'est pas encore rentré... moi j’ arrive de chez Hèléna da Escola Académica.

Je me sent triste et rêveuse.

1926 - 12 - 05
Papa est parti ce matin pour Paris.
Je suis maintenant chez tia Joaninha.

MARIA ULRICH " Páginas de Diário" (Inc.)


Estudei, em tempos longínquos, Filosofia.
E devo dizer que sentia um proveito infinito no abrir a inteligência, a compreensão. Era como se se dilatassem os meus horizontes.

Já esqueci tudo quanto aprendi então.
Ficou-me aquele fundo no inconsciente que me tem ajudado pela vida fora.
A cultura não é o que fica, quando tudo se esqueceu?

MARIA ULRICH - manuscrito s.d.

Fiz a minha instrução no estrangeiro, onde passei quase metade da minha vida adolescente e jovem.
Isso deu-me certo alargamento de concepções e perspectivas. Certa desadaptação, também, a uma mediocridade que reina quando não se proporcionam motivações de grandeza onde, então, somos maiores do que ninguém.
Mediocridade, para mim, foi sempre asfixiante e insuportável.

E, quando regressei do colégio, a vida de menina de sociedade estava a destruir-me completamente.
Fiz o projecto de ir para França, trabalhar.

Estava tudo definido, quando rebentou a guerra.
Simultaneamente fui convidada para a J.I.C.F., campo de realização imenso que me envolveu totalmente.

MARIA ULRICH – manuscrito 1985

A J.I.C.F. não é uma ocupação transitória – é uma ATITUDE de VIDA.

MARIA ULRICH, 1951


Cristo gosta das almas grandes e valentes capazes de rasgos de generosidade e de ímpetos de energia! E Cristo precisa – assim quis o Seu Amor - do nosso testemunho!

MARIA ULRICH, 1949


A grande condição para que a Fé cresça em nós é ter uma alma grande, liberta da absorção de interesses mesquinhos e tacanhos...
Nada atrofia mais a alma e prejudica a sua expansão e desenvolvimento do que essa "miopia moral" que nos faz ver tudo pequenino.

MARIA ULRICH, 1953


Vivamos alegremente a Verdade!
Conservemos para sempre a verdadeira e funda alegria que nasce em nós na noite de Natal com a vinda do Salvador!
Alegria que sorvemos até às entranhas na paz que nos invadiu ao celebrarmos o doce mistério da Encarnação.

MARIA ULRICH, 1945




O nível de cultura e civilização que, como declarámos no Congresso da J.I.C.F. em Lisboa, ameaça caminhar em sentido contrário ao desenvolvimento económico do país, não baixará entre nós por culpa directa do nosso meio social e nomeadamente das mulheres desse meio?

Era preciso que todas nós o sentíssemos dolorosamente nas fibras da nossa alma e, num esforço determinado e vigoroso, ganhássemos a batalha nacional da nossa geração que é a de erguer Portugal, pela elevação do seu nível geral e espiritual, às alturas que merece.

Mas como consegui-lo?

Afinando a nossa sensibilidade superior e abrindo a nossa inteligência aos interesses universais e humanos, fugindo das preocupaçõezinhas personalistas ou bairristas, das bisbilhotices, dos boatos... de tudo o que nos vai atrofiando a alma e nos conserva num grau de mediocridade asfixiante.

MARIA ULRICH In" Vita Nova" – " Carta de Londres ", 1953



Verificou-se que a J.I.C.F. estava lançada como movimento de massas mas que, sem chefes, o movimento não se aguentava e muito menos se desenvolvia. Era, portanto, urgente a formação profunda de Dirigentes responsáveis.
Como primeiro passo para a aproximação do ideal que desejávamos e para a realização da tarefa necessária a cumprir, surgiu a ideia do 1º Curso de Férias para militantes jicistas.

MARIA ULRICH ln manuscrito, 1943

“Vita Nova” é um título... é um programa também!
Programa de renovação constante, de entusiasmos novos, de procura sincera de progresso e de ardente juventude - a única verdadeira e que perdura, porque caminha sempre avante, na ânsia de perfeição, sem nunca se satisfazer, nem escloresar ... nem envelhecer!

MARIA ULRICH, 1955

Se sonhamos – e é bom sonhar sonhos grandes e sublimes para alargar a nossa alma e enche-la de grandeza! - é preciso reduzir o sonho à realidade prática e começar logo a pô-la em acção.

MARIA ULRICH, 1949


Por volta dos anos 40 -50 tive o privilégio de fazer parte de um grupo da J.I.C.F., juventude intrépida e sonhadora para a qual não havia obstáculos às suas imensas ambições de transformação do mundo.
Ali me habituei a conseguir coisas difíceis a “transportar montanhas”, porque a fé para isso não faltava.

E, ao aproximar-se o fim do meu mandato e a saída do Movimento, os projectos fervilhavam-me na cabeça - tantos os rumos percorridos, os problemas levantados, todos importantes.
A minha escolha ficou-se, porém, na Educação que, depois de uma campanha de dois anos durante a qual fizemos inquéritos nacionais, provocámos entrevistas, testemunhos, etc., acabámos por classificar como o problema fulcral da nossa sociedade, em que todos os sectores - familiar, social e cívico - estavam por desbravar.

A Escola de Educação de Infância foi, pois, uma consequência dessa preocupação aprofundada à luz das realidades.

MARIA ULRICH In manuscrito s.d.


A nossa Escola foi fundada para responder a uma profunda preocupação de Educação.

E assim foi que nos lançámos nesta iniciativa ousada. Renovar a pedagogia convencidas de que a Educação, para ser perfeita, tem de ser genética e acompanhar a criança desde os seus primeiros passos.
Quisemos, porém, para atingir esse fim, começar pela formação da Educadora.

MARIA ULRICH In " Inauguração da nova sede”, 1957

A Escola não é como outra qualquer.
A Escola é apenas o primeiro passo, e o mais importante, para o fim que nos propomos.
O mundo de hoje depende da juventude, nesta rapidíssima evolução que ele está sofrendo e de que ainda não nos demos conta, entre nós.
Mas senti-lo-emos um belo dia, subitamente e sem preparação, ou então continuaremos a sofrer dos seus efeitos sem consciência, portanto passivamente e prejudicialmente.

Nesta evolução o mundo depende dos novos. Os novos são o que for a sua infância.

MARIA ULRICH in " Reunião com Mães ", 1954

O Curso não é intelectual, o que seria mais fácil para nós.
Assim, exige-nos uma inquietação constante.
Contamos que raparigas e suas famílias colaborem nesta tarefa de uma renovação pedagógica. Lenta mas urgente de começar.

MARIA ULRICH In "Reunião com Mães no final do ano lectivo ", 1955
A finalidade do Educador deve ser levar o educando a saber escolher e conduzir-se por si próprio, na máxima realização da sua personalidade, na atitude vertical de ser RESPONSÁVEL e LIVRE.

Compete ao Educador ensinar a VERDADE – valor absoluto e, com tal, objectivo que temos o direito e o dever de transmitir –, fazer amar o Bem, ajudar a formar o critério em juízos lúcidos e objectivos, a ter o gosto da sinceridade, da coerência e do esforço – a agir, enfim, como RESPONSÁVEL.

Devem-se criar, entre Educador e Educando, relações de confiança de respeito mútuos. Sublinho a necessidade de o Educador respeitar a dignidade humana já existente na criança.

Com respeito e amor se deve conseguir a cooperação da Criança, voluntária e entusiasta, sem o que não se faz verdadeira obra educacional.

MARIA ULRICH In " O nosso conceito de Educação ", 1961

O que me aflige é a satisfação da maior parte dos nossos Educadores que se contentam a "criar" boas meninas e bons meninos que não passam de uma mediania vulgar quando tinham em si capacidades imensas que abortam.

Confio-lhes, pois, este Segredo: a minha enorme ambição é de conseguir que cada rapariga que passa por esta Escola atinja a sua máxima estatura espiritual, no perfeito equilíbrio de suas forças e de sua personalidade. E que, na libertação de muitos preconceitos, maus hábitos e vícios de educação e de meio social, chegue à felicidade íntima, à alegria da ordem e da Verdade pessoalmente descoberta.

MARIA ULRICH In " Alocução às Alunas no Início do ano lectlvo” 1963

Educar é iniciar à vida. Orientar o comportamento da Criança no sentido dos Valores essenciais.

Vida que não cresce não é vida, é morte. Para transmitir vida, temos de ser vivas.
Crescer é a procura de PERPÉTUO PROGRESSO interior, insatisfação.

Desejava que levassem da Escola, não só conhecimentos de Psicologia, de métodos pedagógicos ou fórmulas pedagógicas, conhecimentos históricos e científicos, mas a tal visão do Homem, um projecto de Vida para as Crianças e para Vós.
MARIA ULRICH ln manuscritos ,s,d.

Desde já convém afirmar que julgamos condição fundamental para o desempenho desta profissão, não a encararmos como mera profissão lucrativa, mas como uma autêntica MISSAO que nos põe incondicionalmente devotadas à formação do ser nos seus alicerces definitivos.

Esta missão - pois é de missão que se trata - impõe-nos uma visão humanista e realista do Homem e do Mundo, obriga-nos a olhar para a criança por um lado e conhecer as características próprias da sua idade, para lhe darmos a respostas adequada - mas também nos obriga a olhar para o meio em que ela será chamada a viver, esse mundo que , em transformação acelerada, será o seu dentro das próximas décadas.

Parece-nos que justamente esse maravilhoso progresso cientifico, cultural e social a que assistimos, exige cada vez mais a participação de todos nós numa atitude consciente, de horizontes alargados, de responsabilidade e de ideal - sob pena de gerar meros "robots" e de ver realizar-se, ao nível da Humanidade civilizada, a lenda do aprendiz de feiticeiro.

Não há autêntico convívio social porque não há respeito mútuo: não se respeita nomeadamente nem o tempo, nem o trabalho de cada um, nem as suas ideias - se diferem das nossas - nem o seu valor e originalidade que até, por vezes, nos incomodam.

Para construir o mundo moderno, com tantos factores que o podem transformar num Mundo Melhor, é preciso criar Homens melhores, mais plenamente Homens, na espiritualidade da sua vocação essencial.

MARIA ULRICH In “Encontro de Educadoras ", 1969

Se educar é meramente orientar, mais dinamismo terá a educação quanto mais discreta for, quanto mais respeitadora da actividade espontânea da criança.

Liberdade de sermos nós mesmos na verticalidade da nossa integridade humana, liberdade de pensar por nós próprios, de tomarmos as nossos decisões e de respondermos pelos nossos actos, na linha de consciência e de rectidão perante os valores supremos que nos comandam.

Isto ou se aprende de pequeno, na colaboração confiante com a autoridade que nos orienta, ou dificilmente será atingido mais tarde.

Nunca se deve destruir a força inconformista que em nós existe, e que é a força impulsionadora do progresso pela insatisfação e a ambição melhor.

MARIA ULRICH In " Encontro de Educadoras ", 1969

Lembro, desde já, que esta é uma escola de educação, visto que se destina a FORMAR educadoras.

Educar é despertar para os Valores, que deve ser um permanente apelo ao progresso, uma chamada à qual a Criança corresponde sempre alegremente.

A Educadora é transmissora de Valores.
É necessário para nós e para vós não esquecermos nunca isto, que é essencial, e não o deixar esquecer na aprendizagem das múltiplas técnicas exigidas hoje à Educadora de infância.

Para ascender aos Valores, a Criança precisa de aprender a escolher e a gostar da sua escolha, mesmo quando custa e lhe exige sacrifícios e domínio próprio. Precisa de uma disciplina de hábitos interiores e exteriores que possibilitem a atenção a esses Valores.

A sua adesão aos Valores do espírito será tanto mais forte, mais firme, mais convicta e mais entusiasta, quanto mais desenvolvidas estiverem as suas faculdades, a sua sensibilidade, inteligência e vontade, a sua personalidade.

A Criança não é sensível às palavras, aos discursos ou lições teóricas. A Criança só assimila o que sente e vê.

É o que a Educadora faz, a maneira como ela reage perante certas circunstâncias, a sua coerência de palavras e de atitudes, é o seu comportamento que influi poderosamente na Criança.

MARIA ULRICH ln "Alocução na abertura das aulas ",1971.

Esta é uma Escola que se pretende MODERNA.
Moderna no sentido de actuar adaptada às condições e aspirações da época presente.
Não é moderna no sentido que se dá à palavra quando se torna sinónimo de destruição sistemática do que existe, para inovar – em vez de renovar.

A sorte da infância a que sois destinadas depende totalmente do que for a vossa preparação aqui, na Escola.
Assim, podeis ser Educadoras incapazes de corresponder ao que as crianças fundamentalmente precisam, que as prejudicam, portanto, travando o seu desenvolvimento óptimo ou, ao contrário, serem as impulsionadoras de uma forte e rica personalidade, estimulando os impulsos para o progresso que existem em toda a criança.

As Escolas hoje, de resto, não se podem gabar de dar um saber definitivo e completo. Numa época tão dinâmica como a nossa, em que tudo evolui tão rapidamente que o que é válido hoje, já não o será amanhã, à luz das novas descobertas - e sobretudo em Pedagogia! - O que a Escola deve dar, essencialmente, é uma possibilidade de critério de escolha, de discernimento, de procura e descoberta pessoal que assegure às alunas, uma vez formadas, uma futura actuação progressiva, de acordo com as circunstâncias do momento, dentro de uma vida profissional profícua, à altura das exigências que se lhe deparam.

Esta missão tão eminentemente Sagrada de Educadora impõe-nos, a vós e a nós, uma preparação aqui dada, também educativa, na descoberta talvez, na habituação com certeza, da responsabilidade.

MARIA ULRICH ln " Acolhimento das alunas ".1970 .

Difícil é definir o espírito próprio da nossa Escola.
Mas, tentando apontar os elementos que o constituem, direi que ele é feito de entusiasmo e juventude que leva ao inconformismo e às "cristãs ousadias" – como disse Camões – para a evolução humana a empreender através da Educação.

E, por outro lado, de simplicidade que vem da autenticidade, ou seja, a sinceridade na avaliação de nós próprias e da coragem de nos manifestarmos tal qual somos, sem artificialismos, como sem desconfiança, nem mecanismos de defesa.

Este espírito, enfim, deve resultar de um alto conceito da vida, baseado numa ideia de transcendência, pois sem esse ideal não poderíamos educar, visto que só há educação se houver transmissão e orientação.

MARIA ULRICH ln " 18° Ano da Escola de Educadoras de Infância ", 1972

Para nós a Escola é vida, vida esclarecida em todos os assuntos actuais, vida compartilhada numa afectividade recta e equilibrada, vida activa na iniciativa pessoal e na responsabilidade.

A política da Escola é essencialmente democrática no seu verdadeiro sentido.
A autoridade é respeitadora, confia e pede colaboração, sabe ouvir e aproveitar sugestões. Aceita as opiniões e o modo de ser de cada aluna sem, porém, abdicar da linha de conduta traçada e considerada válida.

Provoca o diálogo, sem deixar de apontar o ideal.
Não abdica dos seus deveres, sem impor direitos nem interesses pessoais.
Não é autocrática nem arbitrária, mas considera-se um serviço à verdadeira liberdade de cada um.

Nos vossos campos de acção, na formação do carácter das crianças que vos são confiadas - na altura em que justamente se lançam os seus alicerces mais profundos e definitivos - no espírito a comunicar às instituições onde estais inseridas, na acção civilizadora ou esclarecedora junto das famílias dos vários escalões sociais, com quem sois chamadas a colaborar, não esqueceis o altíssimo sentido da vossa missão: o quanto podeis fazer para estabelecer uma nova forma de viver.

Toda a sociedade, toda a vida pública assenta no valor dos homens que a constituem – ou seja, na sua mentalidade, nos seus princípios, a sua Educação.
Só homens rectos e responsáveis, desinteressados e generosos, corajosos e inconformistas, respeitadores e capazes de colaborar entre si, poderão formar o Mundo Novo por que tanto ansiamos e que estamos tão longe de ver realizado. Não é a instrução apenas que constitui o progresso, mas a Educação. É essa a nossa esperança e o nosso trabalho.
MARIA ULRICH In ”Sessão de entrega de Diplomas “, 1973

Ideal proposto às Educadoras:

INCONFORMISMO que não permite quedarmo-nos satisfeitas e paradas perante o que existe; queremos sempre mais e melhor.

PERSONALISMO na fidelidade a nós próprias no desempenho da nossa independência moral e do sentido da responsabilidade, na atitude de maturação liberta do egocentrismo da infância e da cópia servil ou reaccionária dos modelos que nos foram impingidos, capaz pois de nos desapegar de nós próprios e abrir-nos para os outros e acolhê-los fraternalmente, na disponibilidade e no amor.

ATITUDE SOCIAL a que só pode ascender aquele que se encontrou a si mesmo e conseguiu a segurança e é capaz de transpor os seus interesses restrictos para se alargar numa projecção generosa ao interesse dos outros – das crianças, das famílias – nesse sentido certo do amor e dedicação ao ideal que queremos semear para a construção do mundo de amanhã.

MARIA ULRICH In " Encontro de Educadoras ", 1969

Estamos a viver uma época vulcânica e julgo (serei profeta?) que nos encontramos no cimo de duas vertentes: ou escorregamos para o abismo da destruição e da morte - a guerra já está na Europa, a decadência é semelhante à do fim de tantas outras civilizações (Roma, Grécia, Ninive) - ou firmamos os pés através de uma RENOVAÇÃO espiritual, de Fé e de progresso humano, não só técnico.

A opção parece ser hoje uma alternativa de valores absolutos e é posta sobretudo a vós que sois a JUVENTUDE. E direi mais – a vós que sois mulheres.

As mulheres parecem ser hoje a força mais actuante e mais dinâmica da sociedade. Mais novatas na vida pública, demonstram mais coragem e decisão do que os homens.
Do mesmo modo que, no início do Cristianismo, foram as mulheres que, em força, acompanharam Cristo até ao Calvário e foram as primeiras a anunciar a sua Ressurreição, talvez hoje, também, pelo seu bom senso e a sua coragem, venham a ser as autoras mais efectivas de RENOVAÇÃO e de UNIÃO entre os homens.

Enfim, a sua influência decisiva na EDUCAÇÃO assegura-lhes sempre uma acção profunda e dominante na alma da HUMANIDADE.

MARIA ULRICH In " Acolhimento às Alunas ", 1973

Jamais podemos esquecer a palavra do Senhor:
" Nem só de pão vive o homem. "
A sociedade não poderá continuar a situar a sua preocupação principal e quase obsessiva na área do económico, como até agora tem feito.
O problema do mundo não é simplesmente um problema de justiça social.

Para se resolver o problema do mundo, a opção radical que há a fazer é a de situar a felicidade na área dos Valores verdadeiramente humanos.
S. Francisco de Assis conseguindo unir, na sua vida, a fraternidade, a pobreza e a alegria de viver, é um verdadeiro profeta para os nossos dias. E encontrou na Fé cristã o segredo desta descoberta... Optou decididamente pelos Valores Morais, escolheu DEUS em tudo e acima de tudo. E, por isso, se fez o arauto de um MUNDO NOVO e de uma HUMANIDADE NOVA.

E quem escolhe esses Valores não pode furtar-se ao imperativo de os promover e implantar em todos os sectores da vida.

Esta tarefa não está reservada às altas instâncias – poder político ou instâncias sociais – todos devemos agir...

MARIA ULRICH In " Abertura do Ano ", 1981

FUNDAÇÃO MARIA ULRICH

Esta Fundação deverá inspirar-se, na sua actuação, em um espírito e orientação essencial que, em seguida, tentarei definir:

Considerando que todo o homem foi criado para atingir uma plenitude e só viverá verdadeiramente, só será feliz no pleno desabrochar e desenvolvimento da sua personalidade que, a meu ver, só atingirá através da perspectiva cristã.

Considerando, por outro lado, que os meios fornecidos para ajudar esse crescimento interior e essa formação dos verdadeiros valores faltam quase por completo, conduzindo os indivíduos e, nomeadamente, as crianças e os jovens a comportamentos de feroz individualismo, de materialismo e de gozo, ou de fuga da realidade na droga, etc.

Considerando que a sociedade depende dos homens que a conduzem e que a actual crise que atravessamos corresponde justamente a uma grande carência de valores humanos que se revelem e se afirmem.

Considerando que as obras de beneficência, por melhor que possa ser a sua finalidade, só atingem esses fins verdadeiros, consoante a orientação e o espírito que os seus dirigentes lhe imprimem...

Julgo que, antes de criar obras novas de âmbito reduzido, interessará dar apoio às que já existem e que comprovadamente apelem para a formação da personalidade humana, das mais variadas formas, mas sempre no sentido da superação e da valorização espiritual.

MARIA ULRICH In "Testamento" 1988

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