Fundação Maria Ulrich
29 de setembro de 2016
23 de setembro de 2016
21 de setembro de 2016
Valjean e uma (possível?) pedagogia da misericórdia
Na minha playlist do Spotify está a banda sonora do filme musical Os Miseráveis e, por isso, ao longo do dia, acontece-me muitas vezes deter-me numa ou outra frase desta grande obra de Victor Hugo. Hoje de manhã ouvi pela enésima vez o Who am I. A dada altura, na luta interior que combate, Jean Valjean pergunta-se quem é ele próprio diante da iminente condenação de um inocente no seu lugar.
retirado daqui |
Nos seus pensamentos cantados, Valjean recorda o episódio que lhe marcara a vida - o Bispo Myriel perdoou-lhe um enorme crime, disse-lhe que ele pertencia a Deus e convidou-o a oferecer toda a sua vida para reparar o mal feito. Todo o enredo decorre deste encontro do protagonista com o Bispo: o amor gratuito a Fantine, a paternidade de Cosette, a justiça e a verdade na relação com todos. Tudo, na vida de Valjean, nasce da consciência de que "My soul belongs to God, I know/ I made that bargain long ago/ He gave me hope when hope was gone/ He gave me strength to journey on”. Só esta posição humana permite que Valjean perdoe intima e verdadeiramente o Inspector Javert que, animado pela justiça e pela moral, se esgota na perseguição a um criminoso que deve ser punido.
Tenho pensado muito nesta possível pedagogia da misericórdia. Será possível viver assim nas nossas escolas, com os nossos alunos, com os nossos colegas? Será verdade que só o perdão regenera a pessoa?
Javert não era mau; era um homem de regras, de ordem, de “justiça”. E Valjean não era bom; tinha efectivamente roubado pão, tinha efectivamente roubado o Bispo, tinha efectivamente permitido que Fantine fosse despedida. Valjean não se transformou num homem bondoso e disciplinado, não. No entanto, Valjean não conseguia arrancar da sua consistência o encontro com o Bispo que o devolveu à sua natureza original, à sua dimensão real, à relação com o Pai.
Com os alunos, podemos escolher se queremos convidá-los a uma vida disciplinada e ordenada ou se queremos avivar-lhes no coração o desejo de encontrar a sua natureza original.
Um aluno muito querido que temos, o F., passou por uma fase muito difícil, com implicações patológicas e psicológicas graves. Os seus professores, com a sua família, procuraram ajudá-lo a caminhar, a dar passos, a vencer o(s) mal(es) que o afligiam mas que não o definem como pessoa.
Terão falhado em muitas coisas menos em uma. Perdoaram-no sempre. Sempre. Sempre que ele lhes bateu, sempre que ele os insultou, sempre que ele partiu “a loiça toda”. Perdoaram-no e no dia seguinte acolheram-nos de braços abertos. Ensinaram-lhe a dizer todos os dias à noite “obrigada, Senhor, porque eu sou uma maravilha que Tu fizeste”.
Certo dia, um colega estava a portar-se mal e a professora ralhou com ele. O F. olhou para ele e disse que não se preocupasse porque lhe ia acontecer como a ele “que era um monstro e agora tinha-se tornado num príncipe”.
A tentação de discipliná-lo espreitava todos os dias mas estou agradecida por termos arriscado na pedagogia da misericórdia. Que nos interpela a todos na nossa verdadeira natureza. Afinal, não somos príncipes e princesas...?
Catarina Almeida
19 de setembro de 2016
Aprendizagem na Trissomia 21 - a importância da intervenção
Sem nos darmos conta, saímos à rua e deparamo-nos constantemente com diversos estímulos que deciframos automaticamente: um cartaz de publicidade enquanto o semáforo não fica verde, o código da estrada, a descrição dos produtos na prateleira do supermercado, uma mensagem no telefone, uma conta de eletricidade para pagar... É inegável que saber ler e escrever determinam a nossa participação na vida social.
Transverse Line, de Wassily Kandinsky, retirado daqui |
A aquisição da leitura e da escrita são condicionantes essenciais de toda a aprendizagem futura, uma vez que são ferramentas indispensáveis para as aprendizagens escolares e extra-escolares. A leitura e a escrita constituem estratégias complexas que a maior parte das crianças domina sem dificuldades, desde que atinja um determinado grau de maturidade e exista um ambiente pedagógico favorável. No entanto, quer a leitura quer a escrita podem transformar-se num quebra-cabeças . Nem todos aprendem da mesma forma; vários são os processos que podem influenciar esta habilidade e as crianças com Trissomia 21 necessitam de alguns cuidados extra.
Antigamente, não era esperado que crianças com défice inteletual, nomeadamente com Trissomia 21, fossem capazes de ler e escrever e os pais destas crianças não tinham o ensino formal como uma prioridade para os seus filhos. Felizmente, desde a década de 80 do século passado, com o avanço da medicina, temos vindo a assistir a uma mudança de atitudes perante pessoas com Trissomia 21. Nos dias que correm, as possibilidades para crianças com t21 são maiores que nunca.
Hoje em dia, as crianças e jovens com T21 estão inseridas nas mesmas escolas de outras crianças com desenvolvimento dito normal, aprendem a ler e a escrever e alcançam elevados níveis de desenvolvimento nestas áreas específicas. A presença continuada em programas de intervenção precoce e, mais tarde, nas idades jovens e adultas, leva a que pessoas com T21 mantenham bons níveis de leitura e escrita. Sabe-se hoje que o desenvolvimento cognitivo, na Trissomia 21, se atrasa um ano, quando comparado com o desenvolvimento dito normativo. Assim, se se intervir precocemente com estas crianças, obteremos resultados muito positivos.
De facto, com a leitura e a escrita acontece o mesmo que em outras áreas do desenvolvimento; sabe-se que a criança com T21 não irá alcançar certas aptidões até que atinja a maturidade, no entanto, a maturidade é mais facilmente alcançada quando o aluno treina exercícios eficazes regularmente. Assim, de nada valerá esperar que a idade madura chegue para se começar a trabalhar com estas crianças; o melhor será realizar tarefas e atividades que potenciem o crescimento e se desenvolvam mais precocemente.
A intervenção precoce inclui uma rede de apoio direcionado para a criança e a sua família. O desenvolvimento infantil dá-se de uma forma mais rápida nos primeiros anos de vida, altura em que a plasticidade cerebral é maior. Assim sendo, é de grande peso que uma criança com T21, e qualquer outra criança com perturbação do desenvolvimento ou dificuldade de aprendizagem, esteja inserida em programas de intervenção precoce, de forma a colmatar as necessidades sentidas.
É imprescindível que uma criança com Trissomia 21 tenha o mesmo acesso à aprendizagem que outra criança e que esteja rodeada por profissionais competentes que saibam como intervir para que as suas capacidades se desenvolvam da forma mais satisfatória possível, por forma a atingirem os mesmos níveis de autonomia e inclusão social que os seus pares.
Maria do Rosário Morais Barbosa, MsC em Reabilitação Psicomotora
13 de setembro de 2016
Há muitas coisas que eu quero ver
Na Escola no Chiado, escolhemos como tema do ano uma frase retirada de um poema de Sophia de Mello Breyner Andresen: Há muitas coisas que eu quero ver.
Rooms by the Sea, Edward Hopper, retirado daqui |
Chamo-Te porque tudo está ainda no princípio
E suportar é o tempo mais comprido.
Peço-Te que venhas e me dês a liberdade,
Que um só dos teus olhares me purifique e acabe.
Há muitas coisas que eu quero ver.
Peço-Te que sejas o presente.
Peço-Te que inundes tudo.
E que o teu reino antes do tempo venha.
E se derrame sobre a Terra
Em primavera feroz precipitado.
O começo de um ano lectivo é sempre um novo início: novos alunos, novas famílias, novos professores. É também um início de coisas antigas: novos desejos, novas ideias e novos olhares para os mesmos alunos, as mesmas famílias e os mesmos adultos com quem partilhamos a responsabilidade educativa.
Toda a experiência de início tem uma espécie de convite sedutor da realidade: vem, vem... Vem, que eu tenho muito para te oferecer. Mas... como começar coisas antigas? Como olhar para os mesmos rostos, que já conhecemos, já sabemos, já definimos?
Precisamos de começar por nos perdoar a nós e aos outros por tudo o que fizemos mal, tudo o que nos fizeram mal. Sem o perdão, sem a misericórdia, sem abraçar as misérias dos outros no nosso coração, não é possível dar um passo novo. E a própria Maria Ulrich nos desafia todos os anos a dar um passo, o mesmo passo sempre renovado. Assim vivemos, assim crescemos, assim convivemos (…), procurando acertar critérios, encontrar soluções melhores, sem excluir controvérsias e desacordos, no respeito mútuo e na confiança recíproca».
Para viver assim, crescer assim, conviver assim, é preciso abrir a porta à hipótese que os outros, diferentes e estranhos ou semelhantes e amigos, não sejam instrumentais mas, antes, representem uma possibilidade de bem para a minha vida.
Escreveu o Papa Francisco ao Meeting Rimini 2016 que (...) muitas vezes cedemos à tentação de nos fecharmos no horizonte limitado de nossos próprios interesses, de modo que os outros se tornam algo de supérfluo ou, pior ainda, um incómodo, um obstáculo. Mas isto não é conforme à nossa natureza: desde criança descobrimos a beleza do laço entre os seres humanos, aprendemos a encontrar o outro, reconhecendo-o e respeitando-o como o interlocutor e como o irmão, pois filho do Pai comum que está nos céus. Por sua vez, o individualismo afasta das pessoas, vê sobretudo os limites e os defeitos, enfraquecendo o desejo e a capacidade de uma convivência em que cada um possa ser livre e feliz em companhia dos outros com a riqueza da diversidade deles (...).
Poderia ser uma boa definição de escola: uma convivência que me ajude a ser livre e feliz, com a riqueza da diversidade que os outros trazem à minha vida e, assim, ser introduzido à beleza da descoberta do mundo, dos nomes das coisas, das medidas, das características e das relações entre o que existe...!
Bom ano a todos!
Catarina Almeida
12 de setembro de 2016
2 de setembro de 2016
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